Matéria Escura e a Formação de Estruturas de Grande Escala
Formação devido à matéria escura fria
A matéria escura fria (cold dark matter,
ou CDM, na sigla em inglês) é formada por objetos ou partículas
elementares com massa suficientemente grandes para se moverem com
velocidades bem menores do que a velocidade da luz (velocidades
sub-relativísticas), ou seja, são suficientemente lentos para permitir
que a ação gravitacional os agrupe permitindo a formação de estruturas
em pequenas escalas. Os modelos prevêem que estes misteriosos objetos
deveriam estar presentes no universo desde o início e têm, muito
provavelmente, influenciado o crescimento e a evolução das galáxias.
Assumindo-se a existência da matéria escura fria, a formação das estruturas celestes se estabelece através de flutuações com dimensões da ordem das galáxias que se agregam posteriormente em grandes aglomerados de galáxias; este cenário é também conhecido como Botton-Up. Nesse cenário, admitimos a existência de uma componente escura constituída de partículas relativamente lentas que permitem que a instabilidade gravitacional possa agir, permitindo que essas partículas se agreguem em pequenas escalas.
Figura 1 - Num cenário de formação de estrutura Bottom-Up, pequenas protuberâncias do tamanho de galáxias anãs formam-se primeiro e fundem-se para formar galáxias e aglomerados de galáxias.
Crédito da figura: http://cftc.cii.fc.ul.pt/PRISMA/capitulos/capitulo1/modulo4/topico4.php
No cenário de formação Bottom-Up, os halos de massa-subgaláctica são os primeiros a colapsarem e a separarem-se da expansão do Universo. Estes halos crescem por agregação gradual de pequenos blocos, ou por fusão com outros halos de tamanho similar.
Figura 2 - Simulação de formação de estrutura num modelo de CDM. Cada quadrado tem 10 Mpc de lado. As cores representam a densidade de gás.
Crédito da figura: http://cftc.cii.fc.ul.pt/PRISMA/capitulos/capitulo1/modulo4/topico4.php
A denominação Bottom-Up surge porque a formação de estrutura, por este modelo, é hierárquica – pequenos objetos formam-se primeiro e objetos maiores formam-se mais tarde. Este modelo provou ter muito mais sucesso, conforme mostrado pelas simulações computacionais de Marc Davis, George Efstathiou, Simin D. M. White e Carlos S. Frenk e já é visto como o principal modelo para a explicação da formação das estruturas celestes observadas.
Segundo Laerte Sodré Jr., do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), em seu artigo intitulado Massa e Luz no Universo, Revista USP no.62, escreve: “O modelo da matéria escura fria (CDM) explica muito bem a estrutura em grandes escalas, como os espectros de potência da distribuição de galáxias e da radiação cósmica de fundo, além de ser o único cenário viável de formação de estruturas por instabilidade gravitacional”.
Figura 3- A teia de aranha? Cada pixel que vemos na imagem é uma galáxia inteira. Nessa imagem vemos como as galáxias se aglomeram nas maiores escalas do Universo. É curioso como as simulações que levam em conta a matéria escura fria se aproximam das observações que nos mostram os filamentos e grandes aglomerados.
Crédito da Imagem: 2 degree Field galaxy redshift survey
Disponivel em: http://scienceblogs.com/startswithabang/2011/07/05/going-up/
Formação devido à matéria escura quente
Matéria escura quente (hot dark matter, ou HDM, na sigla em inglês) é formada por partículas elementares ou objetos com massa zero ou próxima de zero, o que faz com que se movam com velocidades relativísticas, ou seja, são suficientemente rápidas para não permitir que a ação gravitacional as agrupe. Como conseqüência, isto dificulta a formação de estruturas de pequena escala, favorecendo a formação de grande escala (o que não corresponde ao universo que observamos). Os neutrinos que interagem muito fracamente são muito leves, existem em grande número no universo, e desse modo se apresentam como os principais candidatos do modelo HDM para a matéria escura.
A velocidade dessas partículas é crucial para o modelo cosmológico do Big Bang. Um problema que esse modelo apresenta é a ordem de formação de grandes estruturas do Universo. Se o Universo primordial fosse composto de matéria escura quente, inicialmente ela iria impedir a formação de uma estrutura menor do que um superaglomerado de galáxias.
A matéria escura quente pode, até certo ponto, ser responsável por essas superestruturas, mas não podem explicar a formação das estruturas em uma escala menor, como as galáxias. Este cenário prevê que as superestruturas se dividam em aglomerados de galáxias, que mais tarde se fragmentam em galáxias e estes, posteriormanete em estruturas menores. É o cenário conhecido como "Top-Down", uma vez que as maiores estruturas são formadas inicialmente, para, em seguida se dividirem em estruturas menores.
Figura 4 - Num cenário de formação de estrutura Top-Down, formam-se primeiro grandes "panquecas" de matéria que posteriormente se fragmentam em protuberâncias do tamanho de galáxias.
Crédito da figura: http://cftc.cii.fc.ul.pt/PRISMA/capitulos/capitulo1/modulo4/topico4.php
O principal problema com a teoria de HDM é que, as altas velocidades das partículas (como os neutrinos) no início do universo não poderiam ter permitido que pequenas flutuações de densidade se acumulassem, a fim de criar as estruturas que atualmente observamos.
Acreditamos que a matéria escura está distribuída por todo o universo, devido ao crescimento de pequenas flutuações iniciais. Como os neutrinos estariam se movendo tão rápidos, de forma que estas pequenas flutuações iniciais teriam sido suavizadas. A teoria HDM não pode explicar a distribuição das galáxias no universo em pequena escala, necessária para essa agregação inicial. Esse fato indica que é impossível que apenas os neutrinos pudessem produzir o universo que observamos. Na década de 1980 , Marc Davis, Simon White e Carlos Frenk, da Universidade da California em Berkeley, mostraram através de simulações computacionais que o modelo da matéria escura quente não poderia produzir o universo que observamos. Posteriormente, com os dados observacionais dos satélites COBE e WMAP, a comunidade científica abandonou o modelo em que a matéria escura seja exclusivamente quente.
Figura 5 – Simulação computacional com neutrino como partícula de matéria escura. Pode-se notar que a formação de teia de aranha (característica observável do universo) aparece suavizada devido às altas velocidades dessas partículas.
Crédito da Figura: http://www.vlasix.org/index.php?n=Main.ColDICE
No entanto, o modelo HDM não foi conpletamente abandonado. Atualmente, ele é utilizado combinado com o modelo da matéria escura fria, produzindo o modelo conhecido como “matéria escura morna.”
Formação devido à matéria escura morna
Matéria
escura morna (warm dark matter ou WDM, na sigla em inglês) é
formada por partículas elementares ou objetos com velocidades
semi-relativísticas. Como não são tão lentas como as partículas de
matéria escura fria e não tão rápidas como as partículas de matéria
escura quente, são portanto um caso intermediário entre a matéria escura
fria e quente. Exemplos de partículas de matéria escura morna são os
neutrinos estéreis e os gravitinos.
Figura 6 – Simulação computacional da distribuição da matéria em grande escala no Universo com a matéria escura fria (à esquerda) e matéria escura morna (à direita). Os movimentos de fluxo contínuo de matéria escura quente suprime a formação da estrutura em pequenas escalas.
Crédito da Figura: http://www.kicc.cam.ac.uk/news/kavli-scientists-set-strictest-limits-yet-warm-dark-matter
Figura 7 - Estas duas figuras mostram estruturas Intergalácticas com grande redshift. Temos a matéria escura fria (à esquerda) e a matéria escura morna (à direita). O tamanho da região simulada corresponde a 3,3 milhões de ano-luz. Os modelos com matéria escura morna mostram como as estruturas são mais difusas.
Crédito: Matteo Viel
Disponível em: http://phys.org/news/2006-09-sterile-neutrinos-dark.html
Apesar do aparente sucesso do modelo da matéria fria em descrever o Universo, alguns problemas nas simulações computacionais parecem indicar que o modelo da matéria escura morna oferece uma descrição mais aproximada do Universo que observamos. Evidentemente, esse debate está longe de terminar. O que podemos fazer por enquanto é olhar para o Universo e ver se ele é parecido com a simulação da matéria escura fria ou com a da matéria escura morna.